O meu querido e saudoso pai tinha, quando eu e o Raul, meu irmão, éramos pequenos, um costume a que muito ficámos a dever: quase todos os domingos,nessa altura ainda não existia o conceito de fim-de -semana (estava em gestação, agora está em extinção e conta-se a este propósito que quando falaram a Salazar na ´semana inglesa´, ele terá dito qualquer coisa como :
´- Nem pensar! Aos sábados trabalho e aos domingos, de manhã missa e à tarde futebol !´). Arranjava sempre um programa cultural , levava-nos com farnel e tudo, nós chamávamos-lhe lanche, a fazer um roteiro que pensava previamente e que incluía museus, monumentos, parques infantis (o do Alvito, por exemplo), o Jardim Zoológico ou o Aquário Vasco da Gama, miradouros, bairros antigos, zonas de paisagens e no verão, praias.
Aprendemos e divertimo-nos imenso e ocorreram alguns episódios engraçados :
Numa visita à zona dos Jerónimos, depois do Museu da Marinha , fomos ao Museu Arqueológico e Etnográfico Leite de Vasconcelos e parámos ao pé de um esqueleto humano fossilizado, que ainda está no mesmíssimo sítio, muito antigo e que conserva a ponta da flecha que ,provavelmente , lhe terá causado a morte há milénios. Eu fiquei impressionado e tinha oito anos, com o ´macabro´ do esqueleto e os vestígios de uma morte violenta, pois o menino Raulinho, que tinha só cinco aninhos, entreteve-se a contemplar o ´desgraçado´enquanto comia uma sandezinha de fiambre e bebia uma latinha de Compal (novidade na altura, em 60 e poucos ), para além de ser estranho aos olhos de hoje, deixarem comer em museus, impressionou-me o facto dele ser capaz de comer com tanta satisfação ao pé de um ´cadáver´
( quem conhece o meu irmão sabe por exemplo que ele tem hoje, aos quarenta e nove anos,o mesmo peso que tinha aos oito, cerca de setenta quilos); então interpelei-o :
´- Não sei como és capaz de comer aqui ao pé de um ´morto´ !´
Ele respondeu de pronto :
´-Atão,atão...tou cheio de fome !´
Ora, ora, contra factos não costuma haver argumentos...
Mas o melhor estava para vir, quando chegámos a casa a minha mãe perguntou-lhe do que é que tinha gostado mais, ele após pensar um pouco, respondeu :
´-Do «Mosteiro das Carroças»! - descodificando: é o Museu dos Coches, que tínhamos visitado após termos saído do Mosteiro dos Jerónimos .