Em relógio emprestado não se pode confiar? Crónica dos 20 Kms de Cascais
Mais um ano, mais uma edição de uma das provas mais antigas do calendário de atletismo de estrada, os 20 km de Cascais.
Os Amigos do Parque da Paz disseram “presente” e foram representar o seu clube, da melhor maneira possível. O Dia acordou fresco mas cheio de sol, com vento fraco (esse sim, que costuma ser o nosso maior adversário nesta prova).
Resultado do sucesso, divulgação e alargamento por todo o país, contámos também com a presença de um novo atleta e amigo de Faro (Algarve), que se deslocou propositadamente para correr nesta prova e não deu, com certeza, o seu tempo por mal empregue.
Com os dorsais levantados de véspera, fruto da “carolice” de alguns, foi só chegar a Cascais, equipar e aquecer um pouco. Foi nesta última fase que o nosso “fabuloso” reforço luso-brasileiro da secção de atletismo do CAAPP, conhecido por todos como “Kiko”, deparou que se tinha esquecido de um dos mais importantes acessórios do corredor, o seu “precioso” relógio/cronómetro. E agora, que faço eu à minha vida? - questionava aflito o dito atleta…mas a fortuna não foi de todo madrasta e, entre todos, lá surgiu alguém que emprestou um relógio suplente.
Só que, como todos nós sabemos, correr com um relógio emprestado não é a mesma coisa do que com o nosso, é sem dúvida um “handicap” enorme.
Dado o tiro de partida, e sem que soubesse do paradeiro do atleta em causa (desencontrados que estávamos na confusão habitual da partida), lançaram-se à aventura de 20 quilómetros, perto de 1600 atletas, de entre os quais 9 bravos dos APP’s. Cumpridos os primeiros 5 km, correspondentes a uma volta pela vila de Cascais e que serviu para ordenar o pelotão em função dos ritmos impostos, e aí estávamos nós a caminho da ida e volta ao Guincho, para cumprir o restante percurso, sempre acompanhados pelo azul do mar.
O vento, que até ao momento tinha sido “amigo”, começou a dar um ar de sua graça, e a partir dos 10-11 km, quando dobrámos o cabo Raso e o seu lindo farol, só parecia que alguém tinha aberto a porta e provocado uma corrente de ar frontal. Perderam-se alguns segundos preciosos até ao ponto de retorno. Tudo mudou, então, e tivemos a abençoada redenção, pois com a aragem pelas costas, até voávamos baixinho. Altura também para cumprimentarmos e saudarmos amigos, companheiros e conhecidos, nesta fase “social” da prova, à medida que nos íamos cruzando.
Volto ao atleta do relógio emprestado porque finalmente, alguns quilómetros à frente, o localizo. Não ia muito adiantado mas o suficiente para que em condições normais já não ser apanhado. Mas isto de relógios emprestados tem o seu senão e, conseguindo eu manter um ritmo vivo q.b., cada vez o via mais próximo, o relógio a fazer das suas e o atleta que o utilizava, em clara perda.
Isto até que aos 17-18 km é consumada a junção e a ultrapassagem, sem qualquer esboço de reacção por parte do ultrapassado. Ainda lhe grito:”manda fora o relógio, é ele que te está a atrasar”-MENTIRA!!!, que isto de tácticas tem o seu segredo, ia eu anular o meu principal aliado matinal, o bendito relógio? Fui-me embora. Até ao fim, foi só manter o ritmo, e com o final quase à vista, acelero um pouco, curva à esquerda, fotógrafo em local estratégico, descida final por entre palmas, aplausos e gritos de incentivo para cortar a meta. É de facto uma das provas mais bonitas que há.
Sem confusão à chegada, foi só recolher o medalhão ganho com suor e sacrifício, mas também com muito prazer. (Re)abasteci com líquidos e sólidos, numa mesa bem composta e troquei algumas impressões com atletas já chegados até que o homem do relógio emprestado corta também ele, a linha de chegada.
E, em jeito de conclusão, aprendemos todos que os relógios são utensílios curiosos, habituados que estão a medir o tempo em função do respectivo dono. Ao mudarem de pulso, como que tudo também muda de figura, pois dir-se-ia que atrasam quem por eles pela 1ª vez se regula…tentaremos aprofundar o tema numa próxima ocasião.
Pedro Gabriel